"Há três coisas que são maravilhosas demais para mim, há quatro que não conheço: o caminho da águia no céu, o caminho da cobra na pedra, o caminho do navio no meio do mar e o caminho do homem com uma mulher."
Provérbios 30:18,19
Toda forma de pensamento que conhecemos começa com uma postura diante de tudo o que se via diante de si: a admiração, o maravilhar-se. Assim, o homem admirava-se das coisas físicas e metafísicas, daquilo que via e não compreendia e também daquilo que, embora não visse, percebia e causava-lhe espanto. É isso, associado à possibilidade do ócio que a prosperidade grega proporcionava a alguns que, segundo boa parte dos estudiosos, faz nascer a Filosofia, que irá originar tudo aquilo que hoje conhecemos como pensamento ocidental.
Essa capacidade de admirar-se move o homem a perguntar pela razão e pelo porque de tudo. Antes desta postura, os mitos imperavam no modo de pensar e eles explicavam tudo. Os poetas Hesíodo e Homero, com as suas obras ainda hoje lembradas, Teogonia, Ilíada e Odisséia, buscavam através dos deuses com características humanas, explicar a razão de ser do mundo, suas condições físicas e também a forma de ser das relações humanas.
Ao "romper" com esta forma de encarar o universo (se bem que tal ruptura é hoje questionada por muitos), a Filosofia abre novos horizontes e novas possibilidades para o ser humano. Agora, tudo precisa ser explicado e a busca da verdade, ainda que sabidamente inalcançável, é a meta do homem. E por muito tempo, o homem não se cansa de admirar-se de tudo: como as coisas são formadas, como pode o homem melhor proceder em cada situação, considerando-se suas limitações, como melhor pode ser administrada uma cidade, de que forma o conhecimento é provido aos seres humanos, como melhor educar, do que é formada a alma, de onde ela procede, enfim, muitos dos questionamentos que têm subsistido por milênios.
De um questionamento mais físico, que caracteriza os filósofos pré-socráticos, os quais referem-se muito a forma como se constitui o universo (fogo, terra, água, ar), a partir de Sócrates, os homens passam a preocupar-se consigo e com a forma como as virtudes podem ser explicadas. Assim, cada diálogo platônico, em especial os da juventude, sempre contém a pergunta "o que é". O que é a coragem, a piedade, o amor, a justiça?
O Antigo Testamento é contemporâneo dos escritos dos primeiros filósofos (cerca de 399 a 300 AC). E ali percebemos, como no texto bíblico supracitado, este mesmo sentimento de admiração, tanto com coisas do universo físico quanto metafísico. O tema é o caminho: como ele ocorre em situações e circunstâncias em que não parece claramente definido, com uma trilha ou uma estrada já demarcada? Como voa a águia, se no céu não há uma estrada, como singra o navio os mares sem fixar-se numa trilha física visível nas águas, como uma cobra descobre o caminho das pedras? E por fim, como acontece e efetua-se o caminho de um homem com uma mulher?
Se para as três primeiras perguntas a ciência e a técnica humana já há muito encontraram respostas, o caminho de um casal permanece misterioso. As pessoas têm escrito livros e dado palestras com supostas regras e normas práticas que se seguidas, poderiam levar a uma existência conjugal feliz. Mas as estatísticas dos divórcios demonstram que ou ainda não se encontrou a "receita" certa, ou não há receita, e sim um mistério que não compreendemos,mas experimentamos. Assim a Bíblia geralmente caracteriza o casamento: um mistério, ao qual Paulo associa a relação de Cristo com a Igreja.
A impressão que tenho é de que o homem tem perdido a capacidade de admirar-se de tais coisas. Ainda admira-se, mas da ciência, da técnica, daquilo que ele próprio tem sido capaz de realizar, e não do universo, suas relações fantásticas e complexas, bem como daquilo que é e sente. Tem nos faltado o senso de admiração e mesmo a humildade de dizermos: não entendo isso.
Uma mulher e um homem, o desejo de união. Não tenho uma explicação clara para como o sentimento que têm por seu marido surgiu nem como será o caminho que continuarão a trilhar juntos a partir de agora. Mas o que percebo é que uma forma de manter acesa a chama daquilo que leva um homem e uma mulher a trilharem um rumo conjunto é sempre e continuamente manter a capacidade de admirar-se. Pois o seu caminho é um mistério a ser continuamente revelado. Que a arrogância moderna e o senso de auto-suficiência humana jamais nos impeçam de maravilhar-se e espantar-se diante daquilo que é maior e mais complexo do que nossa mente é capaz de compreender.